quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A senhoria sem voz

Todo dia no mesmo horário por duas semanas eu a observei.
Saia devagar do condomínio, fechava o portão com uma delicadeza real, sem bater o portão, guardava as chaves em uma bolsinha rosa ornamentada de flores de fuxico em um tom de rosa bebê. Ela vinha em direção a parada sentava ao meu lado, sorria e me olhava bem rápido com doçura no olhar e esse simples gesto me fazia todos os dias mais feliz.
Ela deve ter uns oitenta e cinco anos, suas mãos cheias de rugas porém brancas e seu bom gosto romântico de se vestir a faz parecer ter muito menos.
Ao entrar na microônibus sempre sentava no mesmo banco, frente ao cobrador a quem sempre cumprimentava com um gesto da cabeça e sempre, sempre na janela, assim que partia logo no fim da quadra a vista de todo o percurso era o mar a direita do onibus, o mar aul de Florianópolis devia ser uma espécie de inspiração àquela senhora que me comovia todos os dias.
Pouco antes do terminal ela descia, dava o sinal, e só levantava do banco após a micro parar e em segurança, ela então com muito cuidado se amparava no corrimão da porta e descia vagarosamente, e todos os dias desde a primeira vez que peguei o ônibus com ela ao descer, ela colocava o chapéu e ficava segurando sua grande e larga aba branca e quando o onibus arrancava e eu passava por ela ela sorria pra mim.
Foram longas semanas com exatamente os mesmo gestos delicados e com aquele olhar doce... com aquele gesto maravilhoso de dar tchau através da aba do seu lindo chapéu.
Conforme os dias se passam eu ia observando seu caminho quase que de forma inconsciente... me peguei descendo uma parada depois e a segui... descobri que ela fazia hemodiálise todos os dias no mesmo horário e logo após foi ao hospital que trata doenças cancerígenas.
Na sexta feira ela não foi, achei que havia perdido a micro perguntei ao cobrador quem era aquela mulher que eu tanto adorava observar, ele disse que setratava d euma senhoria que tinha apenas o marido que havia morrido a dois anos, sem filhos ela morava sozinha e lutava sozinha contra um câncer doloroso há exatos dois anos.
Eu olhei o mar com pesar e ansiei vê-la na segunda feira. 
...
Desde segunda feira não a vejo, desde segunda feira ela não entra na microônibus, desde segunda feira aquele lindo e doce olhar não vê o mar, aqueles gestos não agraciam o cobrador e ela não me felicita o restinho de viajem.
Ontem pensei em bater no apartamento dela.
Mas tive medo e segui em direção ao meu.
Se ela partiu, que seja pra junto de Deus porque aquela senhora é mesmo um anjo.
Pois só captei seus gestos e seu imenso amor pela vida e pelo mar... sua voz eu nunca ouvi.

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